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sexta-feira, 2 de novembro de 2018

Série de estudos "Cristianismo e Liberalismo" - 7ª parte



por:
José Augusto de Oliveira Maia
29.09.2018


INTRODUÇÃO

Na 6ª parte de nosso estudo(*), analisamos as posições do Cristianismo  e do Liberalismo em relação à Bíblia, vendo que, enquanto para os cristãos a Bíblia é a autoridade como Palavra de Deus em sua vida, para os liberais a autoridade reside em seus próprios princípios, aos quais tentam adaptar a Bíblia, distorcendo a mensagem divina nela contida; não é de estranhar que as mesmas diferenças existam entre um e outro no tocante à pessoa de Jesus Cristo.

DIFERENÇAS ENTRE CRISTIANISMO E LIBERALISMO EM RELAÇÃO À PESSOA DE JESUS CRISTO

Machen inicia suas considerações afirmando que a atitude cristã genuína em relação à pessoa de Cristo baseia-se principalmente no Novo Testamento, especialmente nas cartas de Paulo; para o apóstolo, Jesus era o objeto da fé que ele pregava; Paulo não somente cria em Deus, mas cria em Jesus, sem nenhum tipo de conflito de fé; a obra redentora realizada por Cristo no Calvário era o centro da fé de Paulo, antes mesmo do exemplo de vida deixado por Sua pessoa.

"A religião de Paulo não era, primeiramente, uma fé em Deus como a fé de Jesus; era uma fé em Jesus; Paulo, sem reservas, confiou a Jesus o destino eterno de sua alma." (página 72 - veja II Timóteo 4:6 - 8).

A fé do apóstolo Paulo em Jesus era a mesma que os primeiros discípulos de Jesus praticavam (Gálatas 1:22 - 24; 2:6 - 9).

"Se tivesse ocorrido algum desacordo, a 'mão direita da comunhão', a qual as colunas da igreja de Jerusalém estenderam sobre Paulo (Gálatas 2:9), seria uma impossibilidade. Os fatos são claros demais. Toda a História do Cristianismo seria um labirinto sem saída se a igreja de Jerusalém e Paulo não tivessem feito de Jesus o objeto da fé. O cristianismo primitivo, como certeza, não consistia em imitação de Jesus." (página 73)

Esta fé professada pela Igreja primitiva, tanto pelos primeiros apóstolos quanto por Paulo, baseava-se nas próprias palavras ditas por Ele em todo o Evangelho.

"Jesus apresentou a ira de Deus de um modo mais aterrorizante do que fizeram seus discípulos posteriormente; foi Jesus - o mesmo Jesus que os liberais modernos apresentam como um meigo defensor do amor indiscriminado - que falou das trevas e do fogo eterno, do pecado que não pode ser perdoado, nem neste mundo nem no vindouro." (página 74 - veja Mateus 25:41 - 46; Marcos 3:28, 29).

"Ele convidou as pessoas à confiança pela apresentação de sua maravilhosa pessoa. Grande era a culpa do pecado, mas Jesus era ainda maior; Deus, de acordo com Jesus, era um Pai amoroso, não do mundo em pecado, mas daqueles a quem ele trouxe ao seu Reino por meio do seu Filho." (página 74)

JESUS ERA CRISTÃO?

Enquanto o cristianismo apresenta, com base no testemunho das Escrituras, Jesus como o Salvador no qual todos devem crer, o liberalismo teológico (LT) apresenta Jesus de forma totalmente diferente; segundo os liberais, "Jesus foi o fundador do cristianismo porque ele foi o primeiro cristão, e o cristianismo consiste na repetição da vida religiosa instituída por Jesus." (página 75).

Porém, uma religião que prega que, mais importante do que crer na pessoa de Jesus, é seguir seu exemplo, esbarra em algumas dificuldades:

1) Jesus afirmava com convicção ser o Juiz último de toda a Terra (Mateus 25:31 - 46); podemos imitá-lo nesta convicção? Se, como afirma o LT, essa afirmação de Jesus era injustificável, como fazer dele o nosso exemplo? "O que se deve pensar de um ser humano que se afastou tanto do caminho da humildade e da sanidade a ponto de acreditar que o destino eterno do mundo estava colocado em suas mãos? A verdade é que se Jesus for um mero exemplo, ele não é um exemplo digno, pois ele supôs ser muito mais que um exemplo." (página 75).

O LT tenta driblar esta dificuldade afirmando erroneamente que a consciência messiânica de Jesus surgiu tardiamente em sua vida; ao verificar que seus semelhantes não se viam como filhos de Deus, como Ele se via, dedicou-se à levá-los a essa mesma condição desfrutada por Ele, considerando-se, para isso, o Messias prometido. Porém essa reconstrução da pessoa e da trajetória demonstrou ser falha, pois

* não há nenhuma evidência na narrativa dos quatro Evangelhos de que Jesus tenha evoluído em seu pensamento sobre si mesmo, de uma simples compreensão humana para uma exaltada consciência messiânica

* se a consciência messiânica de Jesus, ainda que tardia, fosse errônea, como adotá-lo como exemplo a ser seguido?

2) Outra dificuldade em apenas seguir o exemplo de Cristo é o fato de Ele estar, inegavelmente, separado de nós pela ausência do pecado em si (veja João 8:46; Hebreus 4:14, 15).

A afirmação da ausência do pecado em Jesus é a pedra de tropeço para o LT; pois se Jesus, sendo humano, era 100% sem pecado, então algo mais haveria em sua humanidade que não estaria presente em nós, tornando-o radicalmente diferente de nós; "No relato da tentação, somos informados de como Ele conseguiu manter o pecado do lado de fora, e nunca nos é dito como ele lidou com o pecado depois que este conseguiu entrar em sua vida." (página 78).

A diferença entre nós e Cristo impede que a mera experiência religiosa de Jesus seja a única base da vida cristã; uma vez que Ele não tinha pecado de que se arrepender, nossa experiência religiosa é diametralmente oposta, uma vez que reconhecemos que todos somos pecadores.

Assim, os discípulos de Jesus "estavam conectados ao Seu nome, não porque Ele era o exemplo de como se livrar de seus pecados, mas porque se livravam dos seus pecados por meio d'Ele. Era o que Jesus fez por eles, e não o exemplo de sua própria vida, que os tornou cristãos. Assim é o testemunho de todos os registros primitivos que temos." (página 79 - veja Atos 2:38; 15:7 - 11).

Portanto, a mensagem do Evangelho da Igreja desde seus primórdios e seguindo com Paulo é de uma fé pessoal em Jesus, como aquele que nos livra do pecado.

"A fé cristã é a confiança depositada nele, para a remoção dos pecados; ele não pode depositar essa confiança (no sentido que estamos tratando aqui) em si mesmo; portanto, ele certamente não era um cristão. Se estivermos procurando um exemplo completo de vida cristã, não podemos achá-lo na experiência religiosa de Jesus." (página 80)

Contra estas afirmações, duas objeções são apresentadas pelo LT:

a) sendo Jesus verdadeiro Homem (doutrina fundamental), não teria sua própria religião?

Sim; porém, o relacionamento de Cristo com Deus não se baseava no perdão de seus próprios pecados; "A religião de Jesus era de uma filiação direta; cristianismo é uma religião da conquista da filiação pela obra redentora de Cristo." (João 17:5; Colossenses 1:12 - 14).

b) se Jesus é tão diferente de nós, não pode ser nosso irmão nem nosso exemplo

A isto Machen responde:


"A diferença entre Jesus e nós serve para enfatizar, e não para invalidar, a lição. Se aquele a quem foi dado todo o poder precisava de descanso e fortalecimento em oração, quanto mais nós; se aquele a quem os lírios do campo revelaram a glória de Deus ainda foi ao santuário, certamente precisamos ainda mais deste tipo de auxílio; se aquele que é sábio e santo pode dizer 'seja feita sua vontade', então a submissão é certamente mais adequada para nós, cuja sabedoria é como a insensatez de uma criança." (página 82)

Porém, para que Jesus seja aceito como exemplo para a Humanidade, em primeiro lugar deve-se aceitar o que Ele ofereceu: a salvação, através da fé n'Ele mesmo.

"Existe uma diferença profunda, portanto, entre a atitude do Liberalismo moderno e do Cristianismo para com o Senhor Jesus. O Liberalismo o considera um exemplo e um guia; o Cristianismo o considera um Salvador; o Liberalismo o faz um exemplo de fé; o Cristianismo, o objeto da fé." (página 83)

A SOBRENATURALIDADE DE JESUS

Além de tudo o que foi apresentado até aqui, a fé cristã baseia-se na sobrenaturalidade de Jesus, fato estranho ao LT.

"Paulo separou Jesus da Humanidade comum e o colocou ao lado de Deus. As palavras de Paulo em Gálatas 1:1 - 'não da parte de homens, nem por meio de homem algum, mas por Jesus Cristo e por Deus Pai, que o ressuscitou dos mortos' - são típicas daquilo que aparece em todo o lugar nas epístolas." (página 84)

O termo grego empregado por Paulo para Designar Jesus como Senhor é a tradução do hebraico Iavé (YHWH) do Antigo Testamento, o nome hebraico de Deus (veja Êxodo 3:15).

Os primeiros apóstolos de Jesus, anteriores a Paulo, concordam com ele quanto à sobrenaturalidade de Jesus; se assim não fosse, tal divergência transpareceria nas epístolas do NT (Gálatas 1:1; II Pedro 1:1, 2I João 1:1 - 3; Judas 1:1).

"Esse mesmo relato da pessoa de Jesus, pressuposto pelas epístolas paulinas, aparece nas detalhadas narrativas dos evangelhos. Os evangelhos concordam com Paulo na apresentação de Jesus como alguém sobrenatural, e essa concordância não está em um ou dois evangelhos, mas nos quatro." (...) "Nos quatro evangelhos, Jesus aparece como possuidor de um poder soberano sobre as forças da natureza; em todos os quatro evangelhos, como em todo o Novo Testamento, ele claramente aparece como alguém sobrenatural." (página, 85, 86)

No intuito de esclarecer o uso e o sentido do termo "sobrenatural", Machen o define como "ação imediata de Deus, no sentido de não acontecer por um intermediário" (página 86); subordinadas a esta definição, duas premissas são necessárias: I) a existência de um Deus pessoal; II) a existência de uma ordem natural real. Esta definição cristã de sobrenatural, exposta acima, é oposta ao deísmo ("Deus colocou o mundo para funcionar como uma máquina, e então, o largou para ser independente d'Ele") e ao panteísmo ("O panteísmo identifica Deus com a totalidade da Natureza; portanto, de acordo com a visão panteísta, é inconcebível que qualquer coisa 'do lado de fora' possa entrar no curso da Natureza.") (página 87).

De acordo com a visão cristã, "Deus é sempre a causa primária, mas existem causas secundárias; e elas são usadas por Deus, no curso comum do mundo, para o alcance de Seus objetivos. A exclusão dessas causas secundárias torna um evento milagroso." (página 88).

O LT rejeita os milagres contidos no Antigo e no Novo Testamento; porém, sem eles, até poderia ser mais fácil crermos nas narrativas neo-testamentárias, base da fé cristã, mas seria apenas a história de um simples mestre, cuja bondade o teria condenado a uma morte vergonhosa e fim da história; mas com os milagres, especialmente com sua ressurreição e vitória sobre a morte, temos a história de um Salvador que pode nos livrar do pecado e da morte; "Sem os milagres, teríamos um mestre; com os milagres, temos um salvador." (página 90).

Assim, os milagres do Novo Testamento, tomados em seu contexto, apontam para uma propósito divino, a vitória sobre o pecado e a salvação da criatura perdida.

"E essa ação criativa de Deus - tão misteriosa, tão contrária a toda a expectativa, e ainda tão compatível como o caráter de Deus que é revelado como o Deus de amor - é encontrada na obra redentora de Cristo. Nenhuma produção da Humanidade pecaminosa poderia ter redimido a própria Humanidade da horrível culpa, ou alçado uma raça pecaminosa do lamaçal do pecado. Mas Deus providenciou um Salvador." (página 91)

Já o Liberalismo Teológico...


* rejeita o sobrenatural em Jesus relatado nos Evangelhos; o LT aceita Jesus como personagem real da História humana (o Jesus histórico), mas define que esta realidade não pode compreender a sobrenaturalidade de Jesus; "uma pessoa sobrenatural nunca é uma pessoa histórica" (página 92)

* rejeitando a sobrenaturalidade de Jesus, rejeita-o como Salvador, bem como sua obra expiatória na cruz para redenção dos nossos pecados

* rejeita também a ressurreição de Jesus, definindo-a como "permanência da influência de Jesus, ou uma mera existência espiritual de Jesus além do túmulo." (página 93)

O FALSO DISCURSO DO LIBERALISMO TEOLÓGICO

Além disso, o LT, enganosamente, mantém o uso de termos ligados à fé cristã, mas desprovidos de seu sentido original para a fé; "Portanto, quando o pregador liberal diz que 'Jesus é Deus', a importância da afirmação depende totalmente sobre o que se quer dizer com 'Deus'." (página 95).

Se tomarmos o ponto de vista liberal de que Deus é apenas a unidade do Universo que habitamos, e não um ser pessoal, dizer que Jesus é Deus apenas quer dizer que "a vida de Deus, que está em todos os Homens, aparece com clareza ou riqueza especial em Jesus. Essa afirmação é oposta à crença cristã na divindade de Cristo." (página 95).

Se, por outro lado, o termo "Deus" significar apenas a maior aspiração do ser humano, afirmar que "Jesus é Deus" equivale apenas a dizer que a pessoa de Jesus é o ideal de toda a raça humana; porém, para a fé cristã, "Jesus é idêntico, em sua natureza, ao Criador e Regente do Universo." (página 95).

A aceitação do Cristo pregado pela igreja liberal nos dá um Jesus visto como um bom mestre, mas apenas isso; porém, a aceitação do Jesus sobrenatural apresentado nos Evangelhos e pregado ao longo dos séculos pela Igreja cristã nos dá "um salvador, que veio voluntariamente a esse mundo para a nossa salvação, que sofreu na cruz por nossos pecados, ressuscitou dos mortos pelo poder de Deus, e vive eternamente para interceder por nós." (página 94). 

"A diferença entre esses dois pontos de vista é a diferença entre duas religiões totalmente distintas. Já é hora de enfrentar esta questão; já é hora de abandonar o uso enganoso de frases tradicionais, e de as pessoas falarem o que realmente pensam. Devemos aceitar o Jesus do Novo Testamento como nosso salvador, ou devemos rejeitá-lo com a igreja liberal?" (página 94)

(*) MACHEN, John Greshan "Cristianismo e Liberalismo" - Shedd Publicações - tradução Caio Cesar Dias Peres - 1ª edição - 2012