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quarta-feira, 10 de abril de 2013

A Reforma Católica do século XVI e o papa Francisco



por: José Augusto de Oliveira Maia
20/03/2013



Um dos grandes prazeres em escrever sobre assuntos ligados à História consiste justamente na possibilidade de, ao refletirmos sobre assuntos do passado, aplicarmos ao menos parte de nossas conclusões ao presente, e quem sabe, apontarmos caminhos possíveis para o futuro.

Na História do cristianismo, o século XVI ficou marcado pelo conjunto de movimentos reformadores - luterano, calvinista, anglicano, anabatista, etc. - que buscavam uma outra face para a Igreja Católica; o objetivo dos reformadores não era dividir a Igreja, mas resgatar a fé original dos primeiros discípulos do Senhor, livrando o cristianismo ocidental da corrupção dos prelados romanos, e trazendo a mensagem da Igreja de volta à centralidade doutrinária da Bíblia.

Infelizmente, a almejada reforma não foi possível, dada a resistência de um clero apegado aos privilégios construídos ao longo de séculos, que utilizavam inclusive os dogmas católicos como fonte de lucro, ao mesmo tempo em que mantinham o povo na ignorância a respeito do conteúdo da Bíblia; aonde a Bíblia chegava na linguagem do homem comum, e não no latim dos bispos, era impossível resistir aos impulsos reformadores; porém, ao perceber que suas propostas de reforma não eram aceitas por Roma, os reformadores não tiveram opção a não ser organizar novos modelos de Igreja.

Inevitavelmente, porém, os desafios impostos pela Reforma a Roma não poderiam ficar sem uma resposta; ao contrário das outras vezes, quando a Inquisição conseguira eliminar ou minimizar os efeitos dos movimentos contestatórios (por exemplo, João Huss na Bohemia, que foi condenado pelo Concílio de Constança em 1.415, e executado na fogueira), desta vez as forças da Igreja Católica não puderam abafar um clamor que se alastrava por toda a Europa, e que já se ouvia desde os tempos do Conciliarismo no século XIV.

E assim, um outro movimento de reforma teve lugar no mesmo período, ao qual costumeiramente damos pouca atenção; mas o que o torna mais importante nos dias de hoje, é o fato de que alguns detalhes deste movimento estão novamente presentes entre nós: refiro-me à Reforma interna da Igreja Católica, no mesmo século XVI.

Enquanto a chamada Contra-Reforma foi um movimento católico de reação à Reforma Protestante, a Reforma Católica significou o reconhecimento pela própria Igreja de Roma que, tal como corriam as coisas em seu interior, seu futuro como instituição estava seriamente ameaçado, ainda mais diante de uma Europa dividida entre o rebanho católico e os apriscos protestantes.

O pontapé inicial foi dado pelo papa Paulo III (Alessandro Farnese, 1.534 - 1.549), instituindo uma comissão de cardeais encarregada de planejar uma reforma para a Igreja; o relatório apresentado pelos cardeais Gian Pietro Caraffa, Gaspar Contarini e Reginaldo Pólo concluiu pelo reconhecimento da existência de diversos abusos praticados pelo alto clero no seio da Igreja, cujos prelados enriqueciam através do uso corrupto de seus cargos, ao mesmo tempo em que negligenciavam suas obrigações pastorais.

Dadas as conclusões da comissão, medidas reformadoras foram tomadas pelos papas, a partir do próprio Paulo III, com a convocação do Concílio de Trento (1.545 - 1.563); já na sua abertura, no decreto sobre regras de vida a serem observadas, exorta-se aos presentes que "procurem emendar-se dos seus erros e pecados cometidos até o presente, e procedam daqui para a frente com temor a Deus sem condescender aos desejos da carne".

Devido à sua longa duração -  interrompido duas vezes, entre 1.547 - 1.551, e entre 1.552 - 1.562 -, o Concílio desenvolveu-se sob o pontificado de cinco papas diferentes, uns mais, outros menos inclinados à proceder às reformas necessárias; Júlio III (Giovanni Maria del Monte, 1.550 - 1.555) e Paulo IV (Gian Pietro Caraffa, 1.555 - 1.559), por exemplo, foram papas cujo pontificado foi marcado pelo nepotismo, a indicação de parentes para cargos importantes na Cúria. Vê-se claramente pelas datas que, durante estes dois pontificados, ocorreu a segunda e maior interrupção do Concílio que pretendia reformar a Igreja.

Mas além, é claro, da reafirmação dos dogmas católicos, medidas de correção de abusos foram efetivamente implantadas a partir do papa Pio IV (Giovanni Angelo de Médici, 1.559 - 1.565) e os que o seguiram: Pio V (Antonio Chislieri, 1.565 - 1.572), Gregório XIII (Ugo Boncompagni, 1.572 - 1.585) e Sixto V (Felipe Peretti, 1.585 - 1.590); os efeitos destas medidas, aos poucos, foram se manifestando na vida da Igreja; e é neste ponto, creio, que podemos chegar à aplicação da História aos nossos dias.

O assim chamado escândalo do Vatileaks, detonado em 2.012 a partir do vazamento de diversos documentos secretos do papa Bento XVI, que revelaram uma Igreja permeada de disputas internas por poder entre cardeais e outras autoridades da Igreja, além de mal explicadas questões financeiras, ensejou a nomeação pelo agora papa emérito de uma comissão cardinalícia - cardeais Julian Herranz, Josef Tomko e Salvatore de Giorgi - para avaliar a situação criada para a Igreja; tal nomeação veio em boa hora, visto que Roma está sendo bombardeada de todos os lados por escândalos de pedofilia envolvendo sacerdotes, e de corrupção financeira no Instituto de Obras Religiosas (IOR), mais conhecido como Banco do Vaticano; apesar da pressão por uma parte dos cardeais reunidos no último conclave para terem acesso ao relatório final da comissão, Bento XVI reservou o conteúdo deste relatório apenas ao seu sucessor, o recém eleito papa Francisco.

Surgem então as perguntas naturais desta situação: o que o novo papa encontrará neste relatório? Quais as medidas que deverão ser tomadas diante da situação encontrada? O papa Francisco terá forças para iniciar o processo de mudanças? Quais os caminhos que a Igreja seguirá daqui em diante?

Como vimos no século XVI, as reformas apontadas no Concílio de Trento, ainda que muito lentamente, foram implantadas não apenas por um, mas por uma sequência de pontífices, ao longo de três décadas; agora, no século XXI, uma nova onda de reformas se faz urgente...o pontificado de Francisco está apenas começando...mas haverá tempo hábil para que a nova Reforma seja produzida, e que seus efeitos se façam sentir? O futuro, caro leitor, é apenas uma questão de tempo... 

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