UBE Blogs

UBE Blogs

segunda-feira, 27 de novembro de 2017

Série de estudos "Cristianismo e Liberalismo" - 5ª parte


por:
José Augusto de Oliveira Maia
16.09.2017




INTRODUÇÃO

Em nosso último estudo(*), encontramos o autor defendendo a importância da doutrina e de seu ensino para o Cristianismo, desde os tempos apostólicos, contrariando o indiferentismo doutrinário pregado pelo Liberalismo Teológico (LT); sobre a definição de doutrina, Machen afirma que "o estabelecimento do evento, com o seu significado, era uma doutrina" (página 30); assim, ele demonstra que o repúdio à doutrina não era um repúdio à Reforma do século XVI tão somente, mas era a rejeição do ensino mais fundamental deixado por Cristo e seus apóstolos.

E então temos a proposta de analisarmos os ensinos do LT em comparação à doutrina cristã, demonstrando a distância intransponível entre a fé pregada por cada um deles.

DEUS E O HOMEM

Na base da mensagem do Evangelho, estão duas doutrinas fundamentais: a doutrina sobre Deus e a doutrina sobre o Homem; e sobre estas duas doutrinas, cristianismo e liberalismo situam-se em campos opostos. 

O LT diz que o conhecimento de Deus não é necessário à fé, e que a teologia contribui negativamente para a religião; em lugar de conhecer a Deus, nossa preocupação deveria ser apenas sentir a sua presença.

Em resposta a isso, Machen opõe a própria realidade dos relacionamentos humanos; a afeição que nutrimos por um amigo baseia-se em tudo o que conhecemos sobre ele, informações que ficam em nossa memória; "(...) se a afeição humana é assim tão dependente de conhecimento, por que seria diferente com o supremo relacionamento pessoal que é a base da religião? Por que deveríamos ficar indignados quando nossos amigos são difamados, enquanto, ao mesmo tempo, devemos permanecer calmos quando Deus sofre as piores difamações? Com certeza, faz toda a diferença o que pensamos sobre Deus; o conhecimento de Deus é a própria base da religião." (páginas 51, 52).

Assim, parte-se imediatamente para a questão seguinte, que é: como podemos conhecer a Deus?

Para os pregadores liberais ao tempo de Machen, todo o conhecimento de Deus vem só através de Jesus; mas, embora pareça uma afirmação correta e cristã, ela fica aquém da realidade que encontramos no Evangelho; "Pois Jesus mesmo, claramente, reconheceu a validade de outras maneiras de conhecer a Deus, e ao rejeitar essas outras maneiras estamos rejeitando o que está no centro de sua vida." (página 52); três exemplos sobre isso aqui nos bastam:

a) Jesus via a mão de Deus na provisão de toda sua Criação (Mateus 6:25 - 34)

b) Jesus encontrava reflexos de Deus na lei moral presente no coração humano (Lucas 13:10 - 17)

c) Jesus encontrava Deus revelado nas Escrituras do Antigo Testamento, citando algumas passagens (Mateus 4:4, 7, 10; Lucas 4:14 - 21; 19:46)

Assim, conforme Machen expressou em seu livro, "Dizer que a revelação de Deus era inválida, ou que é inútil para nós hoje, é o mesmo que desprezar as coisas mais próximas à mente e ao coração de Jesus." (página 52).

Mesmo estando presente na pessoa de Jesus, o conhecimento de Deus necessariamente antecede essa revelação específica de Deus; "simplesmente dizer que 'Jesus é Deus' não tem sentido, a não ser que a palavra 'Deus' tenha um significado antecedente atrelado a ela. E o atrelamento de um significado à palavra 'Deus' é possível pelos meios que acabaram de ser mencionados. (...) os discípulos a quem Jesus se dirigia já tinham um conceito bem definido de Deus; o conhecimento do Ser Supremo estava pressuposto em tudo que Jesus disse. No entanto, os discípulos não queriam somente um conhecimento de Deus, eles também queriam um contato pessoal. E esse contato aconteceu por meio de Jesus. Ele revelou, de uma maneira magnificamente pessoal, o caráter de Deus, mas essa revelação somente obteve seu verdadeiro significado sobre a base da herança do Antigo Testamento e do próprio ensino de Jesus." (página 52, 53); veja João 14:8 - 11.

Contra a afirmação dos liberais de que o conhecimento de Deus deve ser prático, e não teórico, Machen argumenta que não há como construir um relacionamento e um conhecimento prático sobre Deus sem o conhecimento teórico, baseado na revelação de Deus (e novamente aqui vemos a importância da doutrina); em outras palavras, como construir um conhecimento prático de Deus sem o conhecimento daquilo que Ele revelou sobre si mesmo?

"O que ser quer dizer com o conhecimento 'prático' de Deus, na fala moderna, não é um conhecimento de Deus, que é tanto teórico como também prático, mas um conhecimento prático que não é teórico - em outras palavras, um conhecimento que não dê nenhuma informação sobre a realidade objetiva, um conhecimento que não é conhecimento de maneira nenhuma. (...) A relação de Jesus com seu Pai celestial não era uma relação com uma bondade vaga e impessoal; não era uma relação com uma aparência de forma pessoal e simbólica. Pelo contrário, era uma relação com uma Pessoa real cuja existência era tão definida, e tão sujeita ao conhecimento teórico objetivo, como a existência dos lírios dos campos vestidos por Deus." (página 53).

O CONCEITO LIBERAL DE DEUS COMO PAI

Buscando o conhecimento "prático" de Deus, os pregadores liberais destacam de forma indevida o conceito de Deus como Pai; embora presente nos ensinos de Jesus sobre Deus, o ensino liberal distorce o foco do ensino sobre a paternidade de Deus trazido por Jesus; "Não estamos interessados, dizem eles, em muitas coisas pelas quais os Homens deram suas vidas anteriormente; não estamos interessados na teologia dos credos; não estamos interessados nas doutrinas do pecado e da salvação; não estamos interessados na expiação por meio do sangue de Cristo; para nós é suficiente a simples verdade da paternidade de Deus, e seu conceito consequente, a irmandade dos Homens. Podemos não ser muito ortodoxos de acordo com a teologia, continuam dizendo, mas é claro que vocês nos reconhecerão como cristãos, pois aceitamos o ensino de Jesus sobre Deus Pai." (página 55).

No entanto, Machen refuta o ensino liberal sobre a paternidade de Deus:

* tal ensino não está presente na parábola do filho pródigo (Lucas 15); com certeza, aqueles publicanos e pecadores que estavam presentes ouvindo esta parábola faziam parte de Israel, e neste sentido, poderiam ser vistos como filhos de Deus; além disto, a parábola termina com a redenção do filho pródigo somente após o arrependimento, o que implica numa condicionante para sua redenção

* também não está presente no sermão do monte, no qual Deus é apresentado como cuidador de todos (Mateus 5:44,45), até daqueles que O rejeitam, mas não como Pai de todos; "Na verdade, quase poderia ser dito que o ponto central da passagem depende do fato de que ele não é o Pai de todos. Ele cuida mesmo daqueles que não são seus filhos, mas seus inimigos; portanto, seus filhos, os discípulos de Jesus, devem imitá-lo ao amar até mesmo aqueles que não são seus irmãos, mas seus perseguidores. A doutrina moderna da paternidade universal de Deus não pode ser encontrada nos ensinos de Jesus." (página 56).

* no restante do Novo Testamento, "Aqui e ali, a terminologia de paternidade e filiação é até usada para descrever esse relacionamento geral. Mas essas ocorrências são extremamente raras. Geralmente, o elevado termo 'Pai' é usado para descrever um relacionamento de um tipo muito mais íntimo, o relacionamento no qual Deus se mantém em companhia dos redimidos." (página 57).

DEUS E O HOMEM NO LIBERALISMO MODERNO

O conceito liberal sobre a pessoa de Deus não só difere da doutrina cristão sobre a paternidade de Deus; a transcendência de Deus, presente nas Escrituras Sagradas, é negada pelo L. T..

"De capa a capa, a Bíblia tem o interesse de estabelecer a grande distância que separa a criatura do Criador. Obviamente, é verdade, de acordo com a Bíblia, que Deus é imanente ao mundo. Nenhum pardal cai em terra sem o seu consentimento. Porém, Deus não é imanente ao mundo por estar identificado com ele, mas por que ele é o seu livre Criador e Sustentador. Entre a criatura e o Criador existe uma grande distância.

No liberalismo moderno, por outro lado, essa distinção tão aguda entre Deus e o mundo é totalmente destruída, e o nome 'Deus' é aplicado no próprio processo natural. Encontramo-nos em meio a um grande processo que se manifesta naquilo que é extremamente pequeno e naquilo que é extraordinariamente grande - na infinitésima vida revelada através do microscópio e nos vastos movimentos de esferas celestiais. A esse processo natural do qual nós mesmos fazemos parte, aplicamos o temível nome 'Deus'. Dessa forma, portanto, Deus não é uma pessoa distinta de nós; pelo contrário, nossa vida é uma parte da vida dele. Assim, a história da encarnação, de acordo com o liberalismo moderno, às vezes é pensada como um símbolo de uma verdade geral, de que o Homem, em seu nível mais elevado, é um com Deus.

É interessante como a representação das coisas pode ser considerada algo novo, pois a realidade é que o panteísmo é um fenômeno bastante antigo. Ele sempre esteve conosco para arruinar a vida religiosa do Homem. O liberalismo moderno possui características de uma cosmovisão(1) panteísta, mesmo não sendo consistentemente panteísta. Sua tendência é se desfazer, em todos os lugares, da separação existente entre Deus e o mundo, e da precisa distinção pessoal entre Deus e o Homem. Mesmo o pecado do Homem, pela lógica dessa visão, deve ser considerado como parte da vida de Deus. Muito diferente é o Deus vivo e santo da Bíblia e da fé cristã." (páginas 58 e 59).

A NEGAÇÃO DO PECADO PELO LIBERALISMO TEOLÓGICO

De acordo com nosso autor, "O liberalismo moderno perdeu todo o senso de distância que separa a criatura do Criador; sua doutrina sobre o Homem flui naturalmente de sua doutrina sobre Deus. Não são somente as limitações da Humanidade, como criatura, que são negadas. Ainda mais importante é outra diferença. De acordo com a Bíblia, o Homem é um pecador debaixo da justa condenação de Deus; de acordo com o liberalismo moderno, não existe algo como o pecado. Na raiz do movimento liberal moderno está a perda da consciência do pecado." (página 59).

Assim, a distinção cristã entre a criatura, Homem, e o Criador, Deus, foi sendo abandonada pelo L. T., alegando-se a existência de uma bondade natural no ser humano, na qual todos deveriam confiar; e como fruto deste processo, a pecaminosidade humana e suas consequências foram negadas; Machen passa então a analisar o processo de remoção da consciência de pecado.

"O que se produziu com essa satisfação na bondade humana? O que aconteceu com a consciência do pecado? Definitivamente a consciência do pecado acabou. Mas o que a removeu dos corações das pessoas?" (página 59)

* primeiro, Machen cita o abandono da cosmovisão cristã, sendo substituída na segunda metade do século XIX por uma cosmovisão pagã; "Paganismo é aquela cosmovisão que encontra o objetivo mais elevado para a existência humana no desenvolvimento de saudáveis, harmoniosas e deleitosas habilidades já existentes. Muito diferente é o ideal cristão. O paganismo é otimista quanto à imaculável natureza humana, enquanto o cristianismo é a religião do coração arrependido." (página 60)

* em resposta a esta situação, o escritor apresenta os fundamentos da mensagem do Evangelho sobre os quais a fé cristã é construída; "(...) cristianismo significa que o pecado é enfrentado de uma vez por todas, e lançado eternamente, pela graça de Deus, nas profundezas do mar. O problema do paganismo da Grécia antiga, assim como do paganismo dos tempos modernos, não está em suas construções, pois eram gloriosas, mas em sua fundação, que era podre. Havia sempre algo a ser encoberto; o entusiasmo do arquiteto era mantido, somente, pela ignorância da incômoda existência do pecado. No cristianismo, por outro lado, nada precisa ser encoberto. A existência do pecado é enfrentada diretamente de uma vez por todas pela graça de Deus. Então, após o pecado ter sido removido pela graça de Deus, o cristão pode caminhar na busca por desenvolver jubilosamente todas as habilidades que Deus lhe deu. Assim é que o humanismo cristão é tão mais elevado - um humanismo fundamentado não no orgulho humano, mas na graça divina. Ainda que o cristianismo não termine com o coração arrependido, ele começa, sim, com o coração arrependido; começa com a consciência do pecado. Sem a consciência do pecado, todo o Evangelho será visto como uma história inútil." (página 61).

Assim, Machen resgata a importância da pregação tanto da Lei de Deus quanto do Evangelho, de forma a conclamar os Homens ao arrependimento, e apresentar a Humanidade a salvação em Cristo.

"Se a consciência do pecado deve ser produzida, a lei de Deus deve ser proclamada na vida dos cristãos, por meio de palavras. É inútil o pregador lançar fogo e brasas do púlpito, se ao mesmo tempo as pessoas assentadas nos bancos da igreja não levarem o pecado a sério, e permanecerem satisfeitas com os padrões morais do mundo. Aqueles que estão na igreja devem fazer sua parte, e proclamar a lei de Deus por meio de suas vidas, a fim de que os segredos dos corações das pessoas sejam revelados." (páginas 61 e 62)

A pregação da Lei de Deus deve denunciar o pecado, assim como a pregação sobre a graça divina deve proclamar a salvação de Deus para o Homem; a atuação do Espírito Santo honrará a fiel proclamação da Palavra de Deus, trazendo pecadores ao arrependimento.

E é justamente neste ponto que Machen dará sequência ao seu livro, com as doutrinas cristãs sobre a Palavra de Deus, a Bíblia, tema de nosso próximo estudo. 


(*) MACHEN, John Greshan "Cristianismo e Liberalismo" - Shedd Publicações - tradução Caio Cesar Dias Peres - 1ª edição - 2012

(1) a definição do termo "cosmovisão" pode ser apresentada da seguinte forma: "Modo pelo qual a pessoa vê ou interpreta a realidade. A palavra alemã é weltanschau-ung, que significa um ‘mundo e uma visão da vida’, ou ‘um paradigma’. É a estrutura por meio da qual a pessoa entende os dados da vida. Uma cosmovisão influencia muito a maneira em que a pessoa vê Deus, origens, mal, natureza humana, valores e destino." (fonte: https://www.internautascristaos.com/textos/artigos/cosmovisao-o-que-e, acessado em 15.11.2017, citando GEISLER, Norman L. Enciclopédia de apologética. São Paulo, SP: Editora Vida, 2002. p.188)


https://www.clubedeautores.com.br/book/165560--Para_voce_que_AINDA_nao_conhece_a_Biblia#.WR99pOsrLIU

Nenhum comentário:

Postar um comentário